SELVAGERIA HUMANA
Na antiguidade romana disse o poeta Ovídio (43-16): “o lobo, o urso, os animais
menos nobres encarniçam-se contra os agonizantes”. Alexandre, tirano da cidade
de Feres, não podia assistir no teatro, a representação de tragédias, do medo
que seus súditos o vissem chorar com as desgraças de Hécuba ou Andrômaca. Ele
que impiedosamente mandava todos os dias torturar tanta gente com requintes de
crueldade. Certa feita disse o poeta Cláudio: “só se compraz em imolar um touro
quando este se ofende”. Ninguém ignora que há mais bravura em vencer o inimigo
do que o exterminar, mais em forçar a ceder do que em matá-lo. Matar um homem é
pô-lo a salvo de nossas ofensas. Daí a observação de Bias de Priene a um
indivíduo mau: “sei que mais cedo ou mais tarde pagarás, mas receio não o ver”.
No reino de Narsinga, os homens de guerra e os artesãos resolviam suas
divergências a golpes de espada. O rei não recusava a ninguém o direito de se
bater e assistia aos duelos um a um. O duque de Orléans desafiou o rei da
Inglaterra propondo-lhe que lutassem cem contra cem, como fizeram os argianos
em número de trezentos contra trezentos lacedemônios, ou ainda como os três
Horácios contra os três Curiáceos. Conta o historiador romano Tito Lívio, que
na Espanha em um duelo entre dois príncipes, o mais velho, com sua habilidade e
técnica, venceu facilmente o mais jovem muito mais vigoroso, por essas escreveu
o poeta Virgílio: “míseras primícias de uma coragem juvenil, funesto
aprendizado de uma guerra iminente”. O cônsul Públio Rútilo, foi o primeiro a
ensinar um soldado a manejar suas armas com habilidade e ciência; Filopêmen
proibiu o pugilismo, exercício em que era excelente e Júlio César recomendava a
seus soldados que ferissem principalmente no rosto os soldados de Pompeu.
As primeiras crueldades cometem-se espontaneamente,delas nascem o temor de uma
justa vingança. Filipe, rei da Macedônia, que tantas dificuldades tivera com
Roma, sentindo-se inquieto com as numerosas mortes que ordenara e não podendo
dominar o medo que lhe inspiravam todas as famílias por ele ofendidas em
diversas épocas, resolveu apoderar-se dos filhos de todos os que mandara matar
afim de assegurar a sua própria tranqüilidade, desfazendo-se deles uns após outros.
O historiador Calcôndilo, que deixou memórias dignas acerca de seu tempo, conta
que o imperador Maomé aplicava o suplício de cortar os homens em dois com um só
golpe de cimitarra dado no meio do corpo, acima das ancas, o que fazia com que
morressem de duas mortes concomitantes. Viam-se os dois pedaços ainda com vida
agitarem-se por algum tempo sob a ação da dor; O imperador Creso, mandou
prender um fidalgo de seu irmão Pantaleão, e o conduziu a uma oficina de
pisoeiro onde foi raspado e teve suas carnes dilaceradas até finalmente morrer;
Jorge Sechel, chefe dos camponeses da Polônia, ficou três dias nu, amarrado a
um cavalete, exposto aos passantes, deram de beber seu sangue a seu próprio
irmão, em seguida ofereceram sua carne aos chefes, os quais lhe arrancaram a
dentadas. Finalmente após tantos suplícios foi morto, cozinharam suas entranhas
e as comeram.
Conta Voltaire que o cavaleiro de La Barre, teve a mão e a língua decepadas e
depois foi queimado vivo pelos juízes de Abbeville, por não tirar o chapéu na
procissão dos capuchos; Montesquieu conta que os persas arrancavam os olhos dos
que fossem desobedientes; os babilônios arrancavam o coração de seus inimigos
ainda vivos, cortavam os lábios, nariz, os pés, estripavam e picavam os corpos vivos
ou mortos. Homero na “Illíada” escreveu: “há duelos sangrentos em que dentes
voam, olhos vazam e cérebros escorrem de crânios”; Phalaris, tirano de Ácragas
no século VI a.C, assava vivo os seus desafetos; Charondas fazia seus inimigos
capturados andarem por três dias vestidos de mulher pelas ruas da cidade; conta
o historiador Suetônio: “o imperador Tibério depois de fazer o condenado tomar
litros de vinho, amarrava o pênis do condenado com um garrote, assim ele não
urinava e morria após o rompimento da bexiga”. Os Sobas africanos rodeavam suas
casas com crânios humanos espetados nas pontas de suas cercas; o bandido
Virgulino Ferreira da Silva “o Lampião”, teve sua cabeça decepada e exposta,
assim como as dos seus companheiros em Alagoas. Na campanha pela conquista da
China os exércitos de Mao Tsé-Tung expunham as cabeças dos generais vencidos;
os Califas de Sevilha como Almotámide e El Madi plantavam flores nos crânios
dos inimigos suplicados; os soberanos de Daomé colecionavam as cabeças dos
adversários mortos em batalhas e fizeram isso até 1894. L. Annaeus Florus
(história romana, III, IV), conta que os tráceos no tempo da república bebiam
pelos crânios dos adversários aniquilados “bibere in ossibus capitum”; Albuíno,
rei dos lombardos, bebia pelo crânio de Cunimondo, rei dos gépidas no ano de
556 d.C; o mesmo fez Crum rei búlgaro em 810 d.C. E sabe-se pelas palavras do
historiador Amiano Marcelino, que os bárbaros comiam as entranhas de seus
inimigos “ainda quentes” e bebiam o seu sangue assim que jorrava de seus corpos
nos campos de batalha.
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