quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ECCE MUNDI


Ecce Mundi




 
“O conhecido é finito, o infinito é desconhecido, do ponto de vista intelectual, estamos em uma pequena ilha num oceano de inexplicabilidade. Nossa tarefa em cada geração é reivindicar mais terras” (T.H.Huxley, 1887).
“Se me ordena que me rinda al señor de los mundos, es el quién te creó” (El corán, sura 40).
“Nós nos perguntamos que propósito há no canto dos pássaros, desse mesmo modo, devemos nos perguntar por que a mente humana se preocupa em penetrar nesses segredos. A diversidade dos fenômenos da natureza são tão grandes e ricas, justamente para que a mente do homem não se torne carente” (Kepler, misterium cosmographicum).
“A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega, com verdade trará justiça” (Isaías).
Certa vez no final de uma conferência de Bertrand Russel, uma velhinha no fundo da sala levantou-se e disse: “o senhor nos dizer que o sol é o centro do universo, é um tremendo disparate. O mundo não passa de um prato achatado equilibrado nas costas de uma tartaruga gigante”. Russel sorriu e perguntou: “e onde se apóia a tartaruga?”. E a velhinha respondeu: “você é um jovem muito inteligente, mas são tudo tartarugas por aí abaixo”. Conta Plutarco que Alexandre o grande, quando soube que não havia mais mundos a serem conquistados, caiu em prantos. Para Aristóteles, o mundo não teve início e para a fé cristã, o mundo foi criado na primavera do ano de 5199 a.C., Átila, o huno, costumava dizer: “onde meu cavalo pisa, não cresce mais grama”. 
Para quase todas as civilizações, sempre foi necessário ilustrar não somente a face visível da terra e do céu, mas também incluir no espaço um mundo para os mortos, para os abençoados e para os deuses. Todas as civilizações antigas tiveram suas cosmogonias, uma história de como o mundo começou e continua, de como os homens surgiram e do que os deuses esperavam deles.
Para os egípcios, o universo era uma ilha plana cortada por um rio, sobre a qual estava suspensa uma abóboda celeste sustentada por quatro colunas. Para os hindus, o universo era um ovo redondo coberto por sete cascas concêntricas feitas de materiais distintos. Já os babilônios imaginavam um universo em duas camadas conectadas por uma escada cósmica. Para os maias, no começo, havia apenas o céu, o mar e criador, esse após várias tentativas fracassadas, conseguiu criar pessoas a partir do milho e da chuva. No antigo testamento, a terra está em conexão com o firmamento, às águas acima do firmamento, às fontes do abismo, ao limbo e à casa dos ventos. “No princípio criou Deus os céus e a terra, e a terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo, e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas”.
Há 2.400 anos, os gregos já haviam desenvolvido sofisticados métodos geométricos. Não foi por acaso, que eles propuseram uma cosmogonia mais elaborada do que a ideia de um universo plano. Um universo esférico, juntamente com uma terra esférica, circundados por objetos celestes que descreviam órbitas geométricas previsíveis. Esses movimentos valiam também para as estrelas fixas na abóboda celeste.
Um primeiro modelo geocêntrico foi proposto pelo astrônomo Eudoxus de Cnidus, mas seu modelo sofreu diversos aperfeiçoamentos, um deles proposto por Aristóteles que demonstrou em sua obra “sobre os céus”, que a terra era redonda. Ele chegou a essa conclusão, a partir da observação da sombra que se projetou durante um eclipse lunar. O modelo geocêntrico de Aristóteles era composto de 49 esferas concêntricas que explicavam os movimentos de todos os corpos celestes. A esfera mais externa era a das estrelas fixas que controlava todas as esferas internas. Já Eratóstenes mediu a circunferência da terra obtendo um valor de 15% maior do que o valor real, e Ptolomeu no segundo século 2 a.C., modificou o modelo aristotélico, e introduziu os epiciclos, onde os planetas descreviam movimentos de pequenos círculos que se moviam sobre círculos maiores, esses centrados na terra.
A ideia de que o sol está no centro do universo, e de que a terra gira em torno dele, já havia sido proposta por Aristarco de Samos. Ele propôs essa teoria com base nos tamanhos e distâncias do sol e da lua. Concluiu então, que a terra gira em torno do sol e que as estrelas formariam uma esfera fixa, muito distante. Mas essa teoria atraiu pouca atenção, porque contradizia o geocentrismo aristotélico, e também porque a ideia de que a terra está em movimento não era muito atraente.
Dois mil anos mais tarde, Copérnico descreveu seu modelo heliocêntrico: “o sol é o centro do universo e não a terra”, em sua obra “commentariolus”, que circulou anonimamente. No século 16, o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, fez grandes avanços nas técnicas de medidas precisas com instrumentos a olho nu, pois lunetas e telescópios, ainda não haviam sido inventados. Essas medidas eram 10 vezes mais precisas, do que as medidas anteriores. Em 1597, ele se mudou para Praga, onde contratou em 1600 Johannes Kepler, como seu assistente.  Kepler usou as medidas de Tycho para estabelecer suas leis de movimentos planetários. Essas leis mostravam que as órbitas que os planetas descreviam, eram elipses, tendo o sol em um dos focos.
Ao longo do século 17, Galileu ao apontar sua luneta para o sol, descobriu manchas solares; apontando para júpiter, descobriu suas quatro primeiras luas, e ao olhar para a via láctea, mostrou que ela é composta por bilhões e bilhões de estrelas. “Há mais estrelas no espaço, do que grãos de areia na terra”. (cosmos, de Carl Sagan).
Uma das primeiras concepções consistentes sobre a natureza das galáxias foi feita por Immanuel Kant. Aos 26 anos, tomou contato com os pensamentos de Newton e desenvolveu a ideia de que o sistema solar, teria se originado a partir da condensação de um disco de gás. Elucidou também a ideia de que o sistema solar faz parte de uma estrutura achatada conhecida hoje como galáxias, e de que muitas das nebulosas então observadas como manchas difusas são sistemas semelhantes, as quais ele denominou de Universos-Ilhas.
Joannes de Sacrobosco, contemporâneo de Tomás de Aquino, em sua obra “tractatus de sphaera mundi”, de 1473, afirma ser a terra uma esfera. O “líber chronicarun” de 1493, também elucida sobre uma terra esférica. O livro “columbus”, escrito pelo historiador Irving em 1828, descreve que Cristovão Colombo, foi acusado de heresia por sustentar que a terra era redonda. O mestre de Aristóteles, Platão, também sustentou a forma esférica da terra. Escreveu ele em seu “Fédon”: “minha convicção é de que a terra é um corpo circular no centro de vários céus”. Santo Agostinho em seu “de civitate dei”, também escreveu que a terra era redonda. “sobre a posição da terra e da maneira de seu repouso ou movimento, nossa discussão finda-se. Sua forma deve ser necessariamente esférica”. (Aristóteles, sobre os céus).
Mas, nem sempre, a forma circular da terra esteve em voga. Alguns eruditos acreditavam ser a terra plana, achatada como um prato. Em 394, Deodoro de Tarsus, defendeu a ideia de uma terra plana, bem como Theodoro de Mopsuestia. Em 380 escreveu Gabala: “deve ser a terra plana”. Tais teorias não são de crível admiração, já que no mundo existem cientistas de alta estirpe que acreditam que todo universo cósmico, toda essa aglomeração e complexidade, surgiram simplesmente do nada, como um piscar de olhos, que cada dia de luta ou de glória é simplesmente obra do acaso, e que milhões e milhões de anos de história da vida, existem sem motivo algum. Que audácia contradizer um Galileu ou um Descartes e tantos outros que eu poderia citar em uma lista infindável. Em minha opinião, um relógio precisa de um relojoeiro.
Contemplando o mundo e o céu observável, os homens enxergaram coisas estranhas como os cometas. Os cometas sempre despertaram o medo, presságios e superstições; suas aparições ocasionais desafiavam a noção de um universo ou mundo ordenado e imutável. Os cometas eram arautos de desastres e iras de Deus; prevendo a morte de príncipes e a queda de reinados. Os babilônicos pensavam que os cometas eram barbas celestiais, os gregos, que eram cabelos flutuantes, e os árabes pensavam que eram espadas flamejantes. Na época de Ptolomeu, os cometas eram classificados de acordo com o seu tamanho e Ptolomeu acreditava que eles traziam guerras, temperaturas quentes e perturbações.
Na idade média, alguns cometas eram identificados como crucifixos voadores. O bispo luterano de Magdeburg, Andreas Celichius, publicou em 1578, um aviso teológico sobre os cometas, onde dizia que o tamanho deles era de acordo com os pecados humanos. Em 1066, os normandos testemunharam a passagem de um cometa, provavelmente o cometa Halley. Em 66, o historiador Flávio Josefo também registrou um cometa. Em 1301, o pintor italiano Giotto, reproduziu um cometa no topo de um presépio. Para Kepler, os cometas zuniam nos céus, como peixes nas águas, e para David Hume, os cometas eram óvulos de sistemas planetários.
Na cosmologia medieval, não existiam continentes, nem oceanos e a imagem que se tinha do mundo, era a de uma ilha. O mundo era cercado por um oceano vazio, profundo, escuro e contrário a natureza humana, habitat de monstros. “desde tempos muito antigos, sustentou-se que, nesta vida, o mundo é confinado exclusivamente à terra. Desde que o corpo humano era pensado como sendo em essência, nada mais que terra! A terra era seu elemento apropriado”. (O’Gorman, 1961).
Com Colombo é que surgem outros mundos em nosso planeta, também habitáveis e de fato habitados por outros homens. Nicolau de Oresne, em seu “tratado do céu e do mundo”, de 1377, escreveu: “Deus age segundo os princípios da razão. Para além do céu, existe um espaço indefinido, incorpóreo, indivisível, que nada mais é senão, o próprio Deus. A imensidade de Deus, intemporal e indivisível”. Para Guilherme de Occam, os astros são movidos, cada um por uma inteligência divina; e para Giordano Bruno, o universo era habitado por várias civilizações, por causa disso, a inquisição que achava conhecer as vontades de Deus, o queimou em praça pública com piche.
Na mitologia grega, Zeus colocou Sísifus, a rolar uma pedra para todo o sempre. Entre os filisteus, quando havia seca, era porque Baal não estava muito contente, então iam para os templos sacrificarem crianças. De seu filho, Cronus comeu a cabeça e Manassés os passou pelo fogo. Na destruição de Sodoma e Gomorra, a mulher de Ló olhou para trás e virou uma estátua de sal. Davi conquistou Mical, dando a seu pai Saul, um saco de prepúcios; entre os bárbaros, o saco não foi de prepúcios, mas de 500 orelhas. Em Roma os julgamentos eram uma constante, tanto que certa vez, até um cachorro foi para o banco dos réus. Na mesma Roma, Petrônio cortou os pulsos em forma de protesto. Na Grécia, Diógenes Laércio, andou em plena luz do dia, com uma lamparina nas mãos, perguntando: “aonde estão os homens de verdade?”;  e  300 anos antes de Aristóteles, Isaias já afirmava a redondeza da terra: “ele é o que está assentado sobre o círculo da terra”.
Júlio César em seu “de bello gallico”, explica como organizou e lançou a horda de bandidos gauleses e germânicos contra o povo Eburone, culpada de não querer se sujeitar ao seu império; o futuro imperador, depois narra com certo prazer, como conseguiu aplicar toda espécie de infâmias, traições e armadilhas, até eliminar definitivamente da face da terra, a raça dos Eburones. Foi o primeiro comandante a matar todos os habitantes de uma cidade, incluindo crianças e mulheres.
Por séculos, os romanos se alegraram vendo prisioneiros de guerra, lutando entre si nos circos. Em um único mês, o imperador Diocleciano, fez 40 mil homens se matarem no coliseu, mais de mil por dia, enquanto uma multidão exaltada bebia vinho com mel e chumbo, fumavam ópio e copulavam com prostitutas. A quantidade de sangue e de órgãos esquartejados, não os incomodava, e em parte era coberto, pelo fedor de vômito, já que os romanos, para continuar se enchendo de comidas e bebidas, tinham o hábito de enfiar dois dedos na garganta para vomitar o que acabavam de ingerir.
Na idade média, os cruzados que achavam lutar em nome de Deus, não eram brilhantes em termos de disciplina e organização. Seus acampamentos eram erguidos sem nenhum cuidado estrutural, e a cada chuva, suas barracas eram carregadas pelo vento e misturadas às urinas. Sem esquecer a grande quantidade de prostitutas que os seguiam. Muitos cruzados não tomavam mais que dois banhos por ano; enchiam-se de carne de porco assada ou salgada e se embebedavam da manhã até a noite. Deus não estava com eles, e os castigou, matando vários de cólera, infecção gastrointestinal e doenças venéreas, locais e exóticas.
Pelos anos de 1480 à 1520, as grandes ondas repressivas contra bruxas e hereges começaram. A tortura mais branda eram as chibatadas. Depois havia um suplício chamado “a corda”, onde a acusada tinha os braços amarrados com um laço, a vítima então era içada, provocando o deslocamento de seu ombro.
Outro castigo era o “cavalo de estiramento”. O corpo da torturada era deitado e amarrado a uma ponta que lhe penetrava as carnes do pescoço até o glúteo, puxando as cordas, todo o corpo era esticado, e os membros após algumas horas soltavam-se do corpo. Não eram raros os casos de mulheres mortas ou estropiadas de forma irreversível em razão das torturas sofridas.  
Lê-se muito claramente na obra “história eclesiástica” de Eusébio de Cesáreia, sobre os mártires do Egito, que eram crucificados de cabeça para baixo, como aconteceu com o apóstolo Pedro, e assim deixados até morrerem. Na Via Áppia, a tão famosa estrada romana, os crucificados ficavam ali, morrendo de insolação, frio, fome e sede; assim morreram, Espartacus e seu exército, e na mesma Via Áppia. Na renascença esse suplício ganhou o nome de “gaiola”, pois o sujeito era colocado dentro de uma armação de metal, e ali ficava exposto aos passantes até a sequidão o vencer e ele morrer. Na idade média, quem fosse canhoto tinha a mão decepada, o mesmo acontecia com os padeiros que não colocavam a quantidade certa de fermento nos pães; e na mesma idade média, quem tivesse algum desafeto, era dado-lhe o direito de resolver com as próprias mãos.
Muito se diz a respeito do mundo, mas, pouco se sabe da verdade. O universo se elastece a cada minuto e 90% dele ainda é um mistério para todos nós. O mundo, o universo e a história, são realmente esse emaranhado de coisas, dissonâncias e contrastes. Alguns se acham privilegiados por viverem essa vida, pertencerem a este mundo, outros nem tanto, alguns já realizaram seus sonhos, outros ainda não. Mas, todos caminham em uma mesma direção, ainda que alguns se percam.
“De que serviria o preço na mão do tolo para comprar a sabedoria, visto que não tem entendimento?” (Provérbios 17:16).
“Se o senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” (Salmo 127).



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