terça-feira, 16 de outubro de 2012

DA MEDICINA


DA MEDICINA
O medo de ofídios pode-se dizer, é um medo arcaico. Segundo estudos de Washburn e Moore, é uma característica inata aos primatas. Pesquisas paleontológicas revelam achados patológicos em antigos restos fósseis e em múmias egípcias: seqüelas traumáticas, evidências de doenças infecciosas e parasitárias. O faraó Ramsés V, por exemplo, teve varíola. O fêmur do pithecanthropus erectus, encontrado em Java por Eugene Dubois, mostrava uma exostose patológica. Margarete Gautier de "a dama das camélias" era tuberculosa; Shelley, Keats, Castro Alves e Alvares de Azevedo, todos tiveram tuberculose. José Fernando Cardoso, professor de tisiologia, classificava a poesia brasileira em três períodos, de acordo com a tuberculose: a fase em que os poetas morriam da doença, a fase em que ficavam crônicos e a fase em que se curavam. Franz Kafka, por exemplo, morreu de tuberculose aos 43 anos de idade.
Os sumérios que viveram na mesopotâmia por volta de 4.000 a.C., deixaram registrados seus conhecimentos médicos em placas de barro contendo receitas empíricas e histórias clínicas. Os assírios e babilônios, que dominaram os sumérios por volta de 2.000 a.C., acreditavam que as doenças eram causadas por demônios, contra os quais se opunham divindades invocadas, através dos astros. Entre os egípcios, os médicos eram chamados de sacerdotes. Entre os hebreus, a doença não era devida a ação de demônios ou de maus espíritos, mas representava um sinal de cólera divina diante dos pecados humanos, como se lê em Êxodo XV:XXVI: "se inclinares os ouvidos às suas ordens e observares todas as suas leis, não mandarei sobre ti nenhum dos males com que acabrunhei o Egito, por que eu sou o senhor que te cura". Ou em Eclesiastes XXXVIII:IX: "meu filho, se estiveres doente não te descuides de ti, mas ora ao senhor, que te curará". Entre os hebreus um animal não poderia ser abatido por uma pessoa que tivesse doença de pele ou que fosse corcunda, para evitar que um portador de tuberculose da coluna vertebral manipulasse carne para alimentação, e moluscos eram proibidos para evitar a hepatite transmitida por ostras. Alguns povos primitivos do oriente médio, cozinhavam o animal novo no leite da mãe. Na época do domínio romano na Palestina, a circuncisão era causa de humilhação e deboche para os judeus. Substituindo a circuncisão pelo batismo cristão, São Paulo removeu um obstáculo à universalização do cristianismo, com a introdução do "fiscus iudaicus" pelo imperador Vespasiano, a cobrança de um imposto especial aos judeus era feita mediante a constatação de um pênis circunciso.
Na mesma época em Roma, os plebeus se rebelavam contra os patrícios e Hipócrates de Cós (460-377 a.C.) escrevia sua obra. O mundo grego da era clássica, diz Sigerist em seu "civilization and disease" era o mundo do apto e do sadio, o ser humano ideal era uma criatura equilibrada no corpo e na mente. Os gregos cultuavam, além da divindade da medicina asclépio, duas outras deusas: hygéia, a saúde e panacea, a cura. Hygéia era uma das manifestações de athena, a deusa da razão e panacea representava a ideia de que tudo poderia ser curado. De outra parte, asclépio era associado a apolo.
Pouco se sabe sobre a vida de Hipócrates, o "pai da medicina", sabe-se que nasceu na ilha de Cós, onde também nasceram o poeta Philetas e o pintor Apeles. Seu texto intitulado "a doença sagrada" começa com a seguinte afirmação: "a doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença, tem uma causa natural e sua origem supostamente divina, reflete a ignorância humana". Hipócrates desenvolveu muito bem a observação empírica, escrevendo por exemplo que "a epoplexia é mais comum entre as idades de 40 e 60 anos, já a tísica ocorre entre os 18 e os 35 anos". Em sua obra "ares, águas e lugares", escreveu: "quem quer que estude medicina, deve investigar os seguintes aspectos. Primeiro os efeitos das estações do ano e as diferenças entre elas. Segundo, os ventos quentes ou frios. O efeito da água sobre a saúde não deve ser esquecido. Por ultimo, deve-se considerar o modo de vida das pessoas: são glutões e beberrões, e consequentemente incapazes de suportar a fadiga, ou apreciando o trabalho e o exercício, comem e bebem moderadamente".
Como os gregos, os romanos tinham conhecimento da influência ambiental sobre a saúde; com os etruscos aprenderam a construir esgotos e a drenar pântanos. A cloaca máxima, foi concluída no sexto século a.C., de inicio drenava pântanos para o tibre, mais tarde foi adaptada para ser esgoto. O primeiro aqueduto trazendo água para a cidade foi concluído em 312 a.C., possibilitando a construção de banhos públicos. A máquina a vapor já era conhecida, mas o engenho descrito por Heron de Alexandria em 135 a.C., funcionava apenas como um brinquedo para crianças. Sinais de intoxicação por mercúrio e chumbo já tinham sido registrados, bem como a curta expectativa de vida dos trabalhadores nas minas desses metais. Escreveria Galeno de Pergamon (130-201), médico pessoal do imperador Marco Aurélio: "a vida de muitos é condicionada pelo trabalho e é inevitável que sejam vítimas do mesmo". Somente em 1700, Bernardino Rammazini (1633-1714), viria a redigir "de morbii artificium", o primeiro relato sistemático das doenças ocorridas no local de trabalho.
A idade média pode ser considerada como uma época de pestilências. Epidemias naturalmente já tinham sido registradas, tanto no Oriente como na Grécia e no Império Romano. Tucidides em Atenas (430 a.C), e Galeno em Roma (164), faziam menção à elas, sem falar no próprio Hipócrates. Três grandes surtos de peste bulbônica ocorreram na Idade Média, o segundo destes surtos em 1347, a "peste negra", matou 27 milhões de pessoas, um quarto da população européia de então. O ocidente medieval estava despreparado para enfrentar o problema da doença, e a medicina havia evoluído muito pouco, mesmo assim o medievalismo criou os nomes de Rhazes (865 à 965), que escreveu um tratado sobre a varíola e a varicela; Avicena (Ibn Sina, 980 à 1037), autor de um tratado médico baseado em Hipócrates e Galeno; Albucasis (Abul Quasim), que escreveu trabalhos sobre cirurgias; Averróis (Ibn Rushid, 1126 à 1198), e seu discípulo Maimônides (Ben Maimon). A idade média herdou as práticas supersticiosas surgidas com o declínio de Roma. Assim o livro chamado "de medicina praecepta", escrito por Serenus Simmonicus, recomendava que os doentes usassem o amuleto com a palavra "Abracadabra". Sextus Plácidus, tratava febres cortando um pedaço de madeira de uma porta por onde passara um eunuco, e Marcellus Empíricus, tratava lesões oculares tocando-as com três dedos. São Cipriano, bispo de Cártago, a propósito da peste que castigava a cidade em 251, escreveu: "muitos de nós estão morrendo, quer dizer, sendo libertados deste mundo. Morrer é um castigo para os judeus, para os pagãos, e para os inimigos de Cristo, para os servos de Deus é uma feliz partida". Outros escritores da idade média eram menos piedosos e mais amargos. "Ó feliz posteridade", diz Petrarca numa carta, "que não conhecerá tão abismal sofrimento". Os médicos, segundo ele, faziam com sua arte, a vida ainda mais curta, alusão ao "Vita brevis, ars longa" de Hipócrates; e Bocaccio por sua vez, ambientou à época da peste, alguns dos mais "picarescos contos já escritos" (Victor Robinson, the History of medicine, 1943). Em relação à ciência, aos cuidados médicos e as medidas higiênicas, havia desconfiança e hostilidade. Tertuliano escreveu: "o evangelho tornou a investigação científica desnecessária". São Gregório de Tours escreveu: "é blasfêmia consultar médico ao invés de ir a tumba de são Martinho". São Jerônimo escreveu: "esta tua pele áspera é pela falta de banho? Lembra-te que quem se lavou no sangue de Cristo não precisa se lavar de novo". No fim da idade média a medicina leiga começa se desenvolver em Salerno, Itália. Ali surgiu uma escola médica que à partir de 1240, começou a formar profissionais licenciados pelo rei. Surgiram também universidades em Bolonha, Cambridge, Oxford, Pisa, a Sorbonne e a universidade de Salamanca.
No século XVI, a lista das doenças que atemorizavam a Europa sofre um acréscimo: sífilis. O nome vem do poema publicado em 1530 por Girolamo Fracastoro (1478 à 1553), "syphilis sive morbus gallicus" (sífilis ou doença francesa). Syphilus era o nome de um pastor que contraiu a doença como castigo dos deuses. Era chamada doença francesa porque, segundo Fracastoro, tinha aparecido na Itália à época da ocupação francesa em Nápoles. Em seu "de contagione" de 1546, Fracastoro menciona a hipótese de que a doença tivesse sido trazida do novo mundo por marinheiros espanhóis. Porém prevaleciam ainda teorias antigas sobre a transmissão de doenças: Hipócrates julgava que as doenças resultavam dos maus ares. Tucidides atribuiu a epidemia de Atenas em 430 a.C, ao envenenamento dos reservatórios da cidade por inimigos. No século I a.C., Marcus Terentius Varro, falava em invisíveis animalículos que entravam no corpo pelo nariz e pela boca. Em Viena em 1679, quando a peste chegou, a população em pânico, abandonou a cidade. Uns poucos ficaram, entre eles o cantor de baladas Max Augustin, que na ocasião compôs "Ach, du lieber Augustin". Depois bebeu tanto que ficou em coma; dado por morto, foi jogado numa vala com cadáveres de vítimas da peste, mas escapou de pegar a doença por que as pulgas tranmissoras da "pasteurella pestis" abandonam os cadáveres de homens e ratos logo que estes esfriam; salvo por esta macabra peculiaridade, Max Augustin viveu o bastante para popularizar sua canção. O desenvolvimento da anatomia, graças a dissecação de cadáveres, tornou o corpo um objeto de conhecimento, segundo Descartes "uma máquina". William Harwey (1578 à 1657), descobre a circulação do sangue. Thomas Hobbes em seu "leviatã" de 1651, escreve que o soberano é a alma, os magistrados e os oficiais de justiça são as articulações; e Jean Jacques Rousseau escreveria: "o comércio, a indústria, a agricultura, são a boca e o estomâgo (...) o tesouro público é o sangue".
A sociedade tornara-se mais complexa, o progresso acentuara as diferenças no interior do organismo social. Augusto Comte (1798-1857) criador do termo sociologia, via a especialização de funções, como expressão do progresso social. Herbert Spencer (1820-1903) desenvolveu as ideias de Comte em seu "princípios da sociologia" de 1867, para ele havia na vida social uma mudança das formas simples para as complexas. Esta teoria foi elaborada antes da publicação em 1859 de "origem das espécies" de Charles Darwin. Para Émile Durkheim (1858-1917) o corpo social era um conjunto de órgãos coordenados por um órgão central. François Quesnay (1694-1774), médico de Luís XV, insistia na necessidade de observação, de inquérito objetivo. Os fisiocratas consideravam que as sociedades humanas eram regidas por leis naturais. Jacques Turgot (1727-1781), escreveu: "a circulação das riquezas mantém a vida do corpo político, do mesmo modo que a circulação do sangue mantém a vida do corpo animal. Adam Smith, em seu livro "a riqueza das nações" (surgida no ano da revolução americana em 1776), escreveu: "cada homem, contanto que não transgrida as leis, tem absoluta liberdade para perseguir seus interesses, da maneira que lhe convém". Robert Malthus (1776-1834), acreditava que, deixada à própria sorte, a humanidade tenderia irremediavelmente à miséria, resultante da superpopulação; e para John Stuart Mill (1806-1873), a sociedade poderia se submeter a distribuição das riquezas às regras que lhe parecerem melhores, mais ou menos o que escreveria o alemão Friedrich List em seu "sistema da economia nacional".
Os doentes mentais, que até a idade média eram tolerados e encarados com religioso respeito, agora são recolhidos aos hospícios. No início da renascença, a nau dos insensatos (nef des fous, narrenschiff), percorre rios europeus levando os loucos que são expulsos das cidades, e dos quais os barqueiros são encarregados de se livrar (histoire de la folie a l’age classique, foucault, Paris, 1961). O século XVII, diz Rôsen em seu "madness in society" (Londres, 1968), vê uma mudança na percepção social da loucura. Predomina agora a visão de Blaise Pascal (1623-1662): "pode-se conceber um homem sem as mãos, sem os pés, sem a cabeça até, mas não sem a razão". No século XIX Laplace e Lavoisier proporam que o grama fosse considerado o peso de um centímetro cúbico de água a 4 ºC; a décima milionésima parte de um quadrante da circunferência terrestre, fora calculada por Delambre e Mechain. Madame de Stael e Chateaubriand expuseram o seu desgosto com os matemáticos chamando-os de "bando", e o poeta Lamartine escreveu: "as matemáticas são as cadeias do pensamento". Na Inglaterra Charles Babbage (1792-1871), é considerado um dos precursores da computação e James Watt (1736-1819), graças a revolução industrial, inventa a máquina a vapor. Lord Kelvin (1824-1807), escreveria: "tudo que é verdadeiro pode ser expresso em números". Inspirado por Malthus, Charles Darwin, elaborou o seguinte aforisma. "os seres competem entre sí pelo restrito alimento, e aqueles que evoluem de forma favorável sobrevivem e reproduzem seus caracteres biológicos". Karl Pearson (1857-1936), desenvolveu o primeiro teste de medida da capacidade mental; e Gregor Mendel (1822-1884), expôs suas leis sobre genética. Na Alemanha, Rudolf Virchow (1821-1902), correlacionou as epidemias à desigualdades sociais. Em 1846 o médico dinamarquês peter Ludwig Panum (1826-1885), observou o surto de sarampo nas ilhas Faroe. Em 1843, Oliver Wendell Holmes, sugeriu que a febre puerperal era transmitida pelas mãos dos médicos. John Snow (1803-1858), foi um dos introdutores da anestesia, tendo atendido a rainha Vitória em dois de seus partos. William Farr apoiava a teoria do miasma, falando em "vapores de água turva e estagnada". Joseph Golberg investigou a pelagra, comum no sul dos Estados Unidos. Em 1822 Robert Koch (1843-1910), descobre o agente causador da tuberculose. Em 1880 Alphonse Laverán (1845-1922), descobre na Argélia o plasmódio causador da malária, e finalmente Walter Reed (1851-1902), demonstrou que a febre amarela era causada por um agente filtrável, transmitido por mosquitos.

Um comentário:

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